Eu já escrevi dois outros artigos sobre Product Led Growth, um tentando desmistificar a atividade e outro falando sobre elementos da estratégia. Agora quero explorar uma parte que eu comecei a sentir que faltava na visão das empresas que tem crescimento focado em Marketing e Vendas e querem mudar para um foco em Produto.

A primeira coisa que quero tirar da frente, e já abordei isso em outro texto, é que Product Led Growth como algo é uma criação recente, mais ou menos 2 anos, da OpenView Partners.

Eles simplesmente olharam o mercado de SaaS, viram o que empresas desse mercado estavam fazendo e empacotaram em um nome. Aqui temos uma lição de Marketing 101: dê nome para as coisas.

Ao darem nome para o que essas empresas estavam fazendo facilitou o entendimento do que é a atividade mas penso que pode ter mascarado algumas outras coisas que parecem óbvias mas que muitas vezes são vistas assim apenas quando alguém as diz.

O que quero dizer?

Estou falando de entender o que essas empresas tinham em comum, suas características que as levaram desde a sua concepção pensarem em serem empresas Product Led, ou seja, guiadas pelo Produto.

Isso é importante porque entendo que as próprias decisões de desenvolvimento de Produto são impactadas se o modelo de negócio tem crescimento focado em Marketing e Vendas ou em Produto.

Então, não entender o porquê empresas já eram Product Led e faziam tudo que hoje está dentro do PLG pode causar conflitos, problemas e até mesmo frustrações por todas barreiras e dificuldades ao se tentar mudar de estratégia de crescimento.

Vamos então ver como Product Led Growth deve ser visto em três níveis diferentes: o estratégico, o operacional e o tático.

Nível Estratégico

O primeiro ponto é que ser ou se tornar PLG não é medido apenas pelas táticas que serão implementadas. É uma decisão estratégica de negócio pois mexe em todas as áreas da empresa.

Vamos olhar pras Startups que começaram esse movimento. Eram empresas de tecnologia, começando enxutas, times pequenos e que estavam ofertando no mercado produtos com um ticket médio baixo. Essas empresas nasceram pensando que precisavam de escala.

Esses times geralmente tinham no seu início os fundadores e alguns funcionários. Quem fazia as primeiras vendas e conseguiam os primeiros clientes eram essas pessoas (geralmente os fundadores) e a partir daí tinham que ter uma maneira de ir trazendo mais clientes de maneira que não fosse necessário crescer também a operação na mesma proporção.

A única maneira de fazer isso era atrair pessoas, fazer elas converterem em um período de testes (ou alguma oferta gratuita do produto), engajá-las de maneira automática e recorrente e com isso levarem elas a pagarem pela solução.

Só nesse início já temos algumas decisões estratégicas bem claras: contratar um time de vendas não é prioridade, os valores serão baixos e se ganha com volume e o processo terá o menor contato humano possível, ou seja, será self-service na maioria dos casos.

Claro que todas elas passaram por uma fase anterior a tudo de fazer coisas que não escalam (se seguiram os ensinamentos do Paul Graham), mas após esse momento de aprendizagem elas seguiram uma linha muito parecida.

Essas primeiras decisões estratégicas com certeza influenciaram nas funcionalidades que seriam priorizadas, pois o foco seriam naqueles que ajudam o produto a crescer por si só.

Uma empresa que tem como foco crescimento por Marketing e Vendas pode pensar nas funcionalidades com um olhar do tipo:

“Vimos que o mercado quer X, pois nossos vendedores estão tendo dificuldades de vender e o motivo é que não temos X” ou “Essa funcionalidade parece ser o que o segmento Y quer, então vamos desenvolver e colocar nosso time da linha de frente pra fazer campanhas para atrair e nossos vendedores pare vender”.

Essa parte estratégica é tão importante nos direcionamentos do desenvolvimento do Produto que é comum empresas que querem mudar de modelo e adotar o PLG, olharem pro seu próprio produto e enxergarem que o rumo que ele tomou torna praticamente impossível uma virada de chave rápida.

E essas mudanças vão de coisas básicas como o fluxo que o cliente vai seguir na primeira vez que entrar até mais complexas de se perceber que a maneira que ele cresceu em funcionalidades não permite que se faça um trial ou que se diferencie em diferentes planos.

Fica difícil desacoplar o Produto em diferentes partes.

Eu vejo que isso é muito evidente quando empresas como Hubspot e Resultados Digitais que são notórias em seu crescimento guiado por Marketing e Vendas começaram implementando PLG através da criação de produtos novos.

A Hubspot tem uma oferta gratuita e uma com valor bem baixo para um determinado produto e que não é o mesmo de sua plataforma completa. A Resultados Digitais também, precisou lançar um produto mais enxuto e simples.

Ambas ainda tem suas plataformas complexas e que todos ainda precisam preencher um formulário, falar com um vendedor e pagar a implementação para poder utilizar.

A decisão de utilizar PLG começa em direcionamentos estratégicos que envolvem precificação, contratações e ideias de times, visão de produto e qualquer outra que vá dizer como a empresa irá atuar e crescer.

Como eu sei disso?

Em 2014 quando entrei no Route, desde o início estava muito claro que seria self-service, com diferentes planos e preços mas que teriam um ticket-médio mais baixo nas faixas iniciais, sem uma operação grande que dependesse de Vendas, Suporte ou CS.

Isso nos fez ir atrás de empresas que na época estavam fazendo isso também (ex.: Intercom, CustomerIO, Segment, Mailchimp, Autopilot, etc.) e a estudar o que essas empresas estavam fazendo.

Essa leva de startups que começaram a surgir por volta de 2010, todas falavam em escalar e a grande maioria tinha estratégias parecidas e que estavam focadas em Produto.

Obviamente com o tempo, crescimento, a vontade de expandir os negócios ou entrar na briga por clientes Enterprise essas áreas importantes no contato com o cliente, vão se formando, mas o que não se perde é a lógica de que para grande maioria dos clientes a serem conquistados o processo será com pouca interação humana.

O próximo passo é como isso será operacionalizado.

Nível Operacional

Com toda estratégia da empresa estabelecida e Product Led é preciso pensar como isso será operacionalizado.

O fato de ser self-service muda o papel de como a atividade de Customer Success e Vendas será exercida. Mesmo que não se tenha times ou pessoas ainda especialistas nisso, alguém sempre faz esse papel.

É nesse momento que começam a ser desenvolvidas as regras de comportamento pra dizer que o CS vai atuar e quando vai se colocar à disposição de determinado perfil de usuário e quando será importante o papel de vendas assumir o protagonismo.

Também os processos de desenvolvimento de produto, baseados nas descobertas e entendimento de comportamentos e como serão tomadas as decisões sobre o que construir e como priorizar as soluções.

Como Marketing vai atuar na aquisição e educação sobre o produto, no sentido de que é preciso lembrar que os leads que chegarem serão levados pra dentro do produto direto, sem precisar passar por alguma pessoa antes.

Diferente de outros modelos que muitas vezes é dito que pode começar sem ferramental, PLG não se dá esse luxo pois ele está diretamente ligado a tecnologia e dados.

É preciso pensar no tracking de eventos chave, na identificação dos usuários, nas ferramentas de análise que serão usadas, na estrutura do banco de dados para que se busque informações mais profundas que ferramentas de terceiros não trarão.

Tem que se ter maneiras automatizadas e escaláveis de comunicação para onboarding e para atendimento rápido.

É preciso estabelecer o que significa clientes ativos, aha! moments e wow moments e como se vai medir isso.

De qual maneira serão pegos feedbacks de clientes e sugestões de melhorias. Formas que menos pessoas possíveis precisem estar presentes para isso.

Como os times serão medidos, quais métricas devem ser analisadas de perto e o que é preciso para que elas estejam sempre corretas e sem distorções. Como a empresa irá compartilhar abertamente entre os times informações relevantes sobre uso do produto.

Quando se é focado no crescimento onde a operação precisa crescer junto para que a empresa cresça dá uma sensação que silos de conhecimento não impactam tanto porque cada área, de certa forma, está sempre falando com o cliente e entendendo o que precisa ser feito. O trabalho é feito, não quer dizer que é o melhor dos mundos.

Quando é o produto que está no foco, muitos dados serão gerados e os alinhamentos entre áreas precisarão dessas verdades de comportamento e uso para que possam atuar de maneira efetiva.

Um vendedor se for entrar na conversa precisa saber todo o contexto daquele usuário, o mesmo vale pra CS, Suporte, por exemplo.

Todo esse alinhamento, tracking, ferramentas, integrações e como os times irão funcionar impacta diretamente para se ter uma mudança para Product Led Growth eficiente.

Como eu sei disso?

Quando saí do Route, um time bem enxuto onde todos dividíamos uma mesma mesa, e fui para a Umbler, um time bem maior com diferentes áreas mas que também tinha a ideia de self-service e crescer pelo Produto, vi que a falta do alinhamento e do papel de cada área estava causando a seguinte situação:

Marketing atraía um tipo de usuário, Produto estava desenvolvendo para outro e Vendas queria vender um produto de ticket-médio mais alto mas que Infra reclamava pois só dava dor de cabeça.

Tínhamos tracking de comportamentos mas notamos que por não terem sido bem pensados e implementados em diferentes ferramentas e de diferentes maneiras as informações estavam por todo lado, não sabíamos quais eram as mais confiáveis.

As integrações não estavam 100% implementadas de maneira eficiente. Um exemplo é que perdíamos a origem dos nossos leads no momento que entravam na aplicação, isso significava que não tínhamos como puxar análises em nossa base de dados mais profundas sobre quem eram as pessoas que usavam nosso produto.

Muitos comportamentos não eram claros o que significavam e isso causava confusão em diferentes times, pois faltava documentação.

Esses problemas não apareceriam se todo e qualquer usuário precisasse passar pela mão de diferentes times para avançar no funil.

A operacionalização de se focar em ser Product Led e tudo que é necessário para que aconteça de maneira clara é algo que vejo empresas falando pouco. Principalmente no que diz respeito a implementação de ferramentas robustas que permitam análises de comportamento no nível do usuário.

Nível Tático

Esse é o nível que eu vejo mais sendo falado. Todo mundo sabe o que precisa fazer para ser self-service.

Todo mundo sabe que é preciso ter um onboarding guiado. Mas o que não vejo falarem é que esse onboarding só será eficiente se as definições estratégicas sobre o que é e pra quem é o produto e quais são as etapas chave a serem completadas, estejam claras.

Não vai funcionar como deve se for muito genérico e não baseado em comportamentos, cargos, perfis, origem e dados nesse sentido. Um onboarding tem que guiar o usuário até o sucesso com a ferramenta e não ser apenas um guia sobre o que cada funcionalidade faz.

Também se sabe que é preciso evitar o churn, mas como se preparar para tentar prever ele a partir de comportamentos e perfis de usuários? O mesmo vale para identificar os melhores usuários que se tornarão clientes. Como prever isso? Só vai ser possível no momento que foi operacionalizado bem as integrações das informações do que acontece antes e após a pessoa converter.

No caso do churn é saber o perfil das pessoas que costuma dar churn e também os comportamentos, ou ausência de comportamento, daqueles que vão embora. No caso da conversão de vendas é saber os aha! e wow moments, o que faz deles um PQL, ou seja, Product Qualified Lead, o que é um usuário ativo e como construir isso através dos dados.

Se sabe que é preciso implementar alertas para quando necessário colocar uma pessoa na frente do usuário e entrar a conversa, mas se viu se é possível fazer isso ou se o Produto está pensado para facilitar esse tipo de análise e que ela aconteça de forma automática?

Produto sabe que a maneira que organiza o produto, a navegação, o design, as telas e a experiência do usuário é importante para que ele percorra o caminho sozinho, mas será que tem as competências necessárias para que isso seja colocado em prática? Tem dados confiáveis ou maneiras assertivas de trackear o que é feito para gerar um aprendizado?

Vejo que as táticas serão eficientes e efetivas somente se a parte estratégica da empresa e operacional esteja 100% focada na mentalidade de ser focada no Produto.

Repito, isso não significa que a empresa nunca terá interações super consultivas, com times de Vendas, Atendimento e Suporte num contato próximo. A grande maioria das empresas referências em PLG e que querem vender para tickets mais altos tem também esse lado, mas elas nunca esquecem que o Produto ainda é o protagonista.

Essa parte do que fazer é a mais fácil pois basicamente são ações comuns e que facilmente são identificáveis e que deu origem ao agrupamento de empresas que foram observadas no que faziam e foram agrupadas como usando Product Led Growth.

Mas por trás dessas ações todas elas tomaram decisões de modelo de negócio e Produto que as guiaram por esse caminho e não o contrário.

Acho bom darmos evidência que a grande transformação na mudança de crescimento focado em Marketing e Vendas para o crescimento guiado por Produto se dá no nível Estratégico e Operacional, e não no Tático.