Nessa semana, que começou no dia 26/04/2021, começamos a ver o desdobramento de um caso na empresa Basecamp onde uma lista de nova diretrizes no trabalho, publicada por Jason Fried e reforçada pelo DHH, chocou pessoas do mercado. Resolvi escrever sobre isso.

O artigo publicado pelo Jason, gira em torno de mudanças sobre como as coisas devem acontecer no ambiente de trabalho. Até aí você pode pensar:

Ah, mudanças em como o dia-a-dia na empresa devem acontecer são normais e cabe o Basecamp decidir isso. Por que ter polêmica?

O problema é que essas mudanças envolviam um tema: passava a não ser permitido conversas, debates e discussões de cunho político e social.

Isso por si só já chocava.

É uma ilusão que política e sociedade não fazem parte da construção de uma empresa, mas também deixava todo mundo perplexo porque a conclusão era que sem isso o foco deveria ser apenas o trabalho.

E, em nenhum momento, foi mostrado que essas conversas estavam impactando negativamente o que era entregue pelos times.

Também deixou no ar uma outra pergunta:

O que aconteceu para uma mudança dessas ser implementada?

Um texto escrito por Casey Newton, conta a história por trás a essa decisão do Basecamp.

Tudo começa em uma falta de decisão firme e esperada de líderes em relação a uma lista de nomes “engraçados” que era mantida a uma década.

Imagina, uma conversa séria e necessária de pessoas apontando que manter uma lista por 10 anos onde algumas pessoas adicionavam nomes engraçados de clientes era errado demais se tornou um motivo para definirem que não seria mais permitido tratar no ambiente de trabalho sobre política e sociedade.

Ao invés de usar essa conversa para acabar com a lista e trazer mais conversa sobre política e sociedade para mostrar como é errado reforçar qualquer esteriótipo muitas vezes associado aos nomes.

Essa conversa no Basecamp foi escalando até o DHH (um dos fundadores) fazer o que chamamos de “textão”, sendo inconveniente tendo um papel de liderança, gerando uma reclamação sobre ele ao RH.

Depois disso foi só ladeira abaixo (inclusive postando artigos sobre “cultura do cancelamento”).

Mas nesse caso todo tem outro agravante.

O Basecamp sempre foi uma empresa que se diferenciava de outras no mercado tech, seus livros sobre trabalho e as opiniões que DHH, Jason e outros líderes compartilhavam em textos e no Twitter passavam uma outra imagem.

O Basecamp era reconhecido como “a empresa dos sonhos”. E os fundadores sempre gostavam de dar sua opinião sobre decisões de outras empresas. Inclusive várias dessas opiniões ressurgiram no Twitter.

Mas após o do Jason, outros foram publicados pelo DHH e só deixaram pior a situação. Em nenhum dos textos conseguiram admitir que haviam errado. Não conseguem enxergar qualquer erro na decisão final.

E muitas pessoas, inclusive seus próprios funcionários que sabem o que é serem menosprezados pelo nome e pelo seu contexto social, mostraram onde estava o erro. O papel do líder deveria ser pensar, pedir desculpa e construir um futuro daí.

Não varrer para debaixo do tapete tudo.

Essa falta de visão fica clara quando em um dos últimos artigos o DHH diz que estão oferecendo um plano de remuneração para quem acreditar que deve sair pois não concorda em como será o futuro na empresa.

São 6 meses de pagamento para quem está a mais de 3 anos e 3 meses para menos que isso.

Esse tipo de coisa ignora que nem todo mundo pode tomar essa decisão e garantir que em 3 ou 6 meses estará com emprego novo.

Mostram que são apenas duas pessoas privilegiadas que quando são expostas a seus próprios preconceitos (mesmo sem que elas tenha consciência disso) preferem entrar em uma discussão e relativização do ocorrido ao invés de ouvir quem se sente ofendido e vem de um contexto onde já sofreram pelos mesmos motivos que virou piada numa lista de nomes.

As pessoas, na verdade, só querem trabalhar em um lugar que as respeite como são, como pessoas que estão inseridas em um ambiente político e social que tem passado por muitas transformações e conversas abertas sobre o que fazemos em sociedade.

Mas isso que tá acontecendo no Basecamp não é novidade no mundo de tecnologia. Recentemente teve um caso nesse mesmo estilo na Coinbase (o que gerou alguns memes “CoinbaseCamp”).

E nessas duas situações a desculpa para evitar debates sobre política e sociedade (ou ativismo como o Coinbase chamou) é o mesmo:

Somos uma empresa com uma missão.

Seja lá o que isso significa, mas a ideia é:

Nós estamos aqui para desenvolver tecnologia e não para se preocupar com questões políticas e sociais.

Mas essa, com certeza, não é uma opinião restrita a Coinbase ou ao Basecamp. Quando parece que questões políticas e sociais não nos atinge pessoalmente é fácil pensar ser apenas uma distração para um bem maior (no caso, revolucionar o mundo como tecnologia… a ironia).

Na série Enola Holmes (aquela sobre a irmão do Sherlock Holmes) tem uma cena que representa muito a visão de muitas pessoas privilegiadas.

Em um momento o Sherlock (que é homem, branco, rico e famoso) conversa com uma mulher negra que participava de um grupo de mulheres muito ativas na luta política e social. A conversa vai para um lado político e acontece isso:

Você não sabe o que é não ter poder algum. Política não te interessa, por quê?

Porque é extremamente chato.

Porque você não tem interesse nenhum em mudar um mundo que está muito bom para você.

Sei que pensar em política hoje nos remete a discussões sobre o político A ou B. Mas esse não deveria ser o foco para acharmos errado ter esse tipo de conversa na empresa.

Ainda mais se pegarmos empresas de tecnologia que falam para quem quer ouvir que seus produtos estão sendo criados para “mudar o mundo”.

Como se inovação e mudança do mundo não fosse uma declaração política. Como se não fosse algo de impacto social.

Por esse miopia vemos empresas como Facebook (e seus produtos como a própria rede social de mesmo nome e o WhatsApp), Twitter, Google e outros, querendo se colocar de fora do debate político e social quando seus produtos são catalizadores de muitas transformações políticas e sociais (para o mau ou para bem).

Querer definir que esse tipo de conversa, que muitas vezes é difícil, aconteça apenas em ambientes fora do trabalho, é retirar uma camada importante para a própria inovação.

Teve um tweet da Melissa Perri que me chamou muito a atenção:

Não tem como não considerarmos o nosso ambiente político e social, como pessoas vivendo numa sociedade complexa, um elemento importantíssimo para os nossos negócios.

E aqui não quero dizer que todas as pessoas que são fundadoras, CEO, diretoras e líderes precisam ter clareza sobre isso o tempo todo. Muitas vezes é complicado termos visto que erramos.

Mas é fundamental que, no momento que essas pessoas que sofrem consequências pelo que são nos chamem a atenção, a gente pense e tome uma atitude para mudar isso. Por mais difícil que seja admitir um preconceito, mesmo sem perceber que o tem.

E daí não quero entrar no detalhe se a mudança é real ou uma estratégia de gerenciamento de crise, mas quando uma pessoa com poder assume estar errada e a empresa faz de tudo para mudar onde foi apontado o erro, damos um primeiro passo para uma mudança real na sociedade.

Quer algo mais político que isso?

O universo das startups de tecnologia que já é um mundo muito privilegiado (homem e branco em sua maior parte) deveria escutar mais e falar menos.

E eu não quero passar que estou em uma situação sem privilégios. Eu tenho muitos. Sei disso.

E já passei por situações onde escutei que alguma atitude minha havia incomodado outra pessoa e isso sempre é desconfortável. A gente fica naquela ânsia de justificar, porque “não foi a intenção”.

Isso é o de menos naquele momento. O certo é escutar, entender o que tá sendo dito e mudar.

Se a gente usa isso para nos tornarmos pessoas melhores porque as empresas acham distração? Por que não usam para construírem produtos e empresas melhores?

Mas então, existe um limite para esse tipo de conversa? E se existe, deveria ser um limite definido pela empresa?

Na minha opinião existe um limite mas não é a empresa que define.

Pra mim o limite de qualquer interação entre as pessoas, seja opinião política, seja falando sobre questões sociais ou seja falando sobre entretenimento, o que quer que seja, está no limite da lei.

Se pensarmos que não é aceitável misoginia, racismo, homofobia, xenofobia, discurso de ódio e qualquer outra tipo de preconceito, já está aí o limite.

Obviamente nem todos os países tem leis sobre todos esses casos acima, mas se pegarmos a realidade no Brasil, sabemos que temos sim.

Claro que essa é a minha opinião, com certeza tem pessoas muito mais qualificadas para debater e trazer insumos sobre como lidar com isso nas empresas e é justamente o que os líderes deveriam fazer:

Trazer para dentro de casa quem pode assumir esse papel e dar liberdade para as mudanças.

Então, política e sociedade estão muito conectadas aos produtos que criamos e empresas que construímos.

Não existe deixar essas questões do lado de fora do momento de trabalho.

Ignorar isso só serve para fazer quem tem os privilégios se sentir bem enquanto muitos dos seus funcionários e clientes sofrem.