O mercado tech não aprende com os erros. E o caso do ChatGPT mostra isso. Mas antes, vamos voltar no tempo. Vocês lembram onde estavam quando o Slack teve todos os holofotes em cima dele? Eu lembro.

Eu conheci a ferramenta em 2014, foi quando a empresa que eu trabalhava começou a usar e eu criei uma conta também. O que eles estavam oferecendo era muito melhor que qualquer outra ferramenta de comunicação interna de empresas.

O produto de fato era diferente.

Mas por volta de 2015 dia sim, outro dia também, tinha uma reportagem sobre o Slack no TechCrunch ou em alguma outra publicação importante do Vale. O caso do Slack era o assunto geral.

Tinha artigos e opiniões em todo lado sobre o crescimento exponencial deles. O gráfico a seguir estava em muitas dessas publicações e é realmente impressionante:

Além disso tenho certeza que o caso do Slack foi o principal para surgir o conceito de Product Led Growth. O termo surgiu bem na época.

Então pra mim é fato que o Slack teve um efeito muito grande no que se viu nos quase 10 anos desde sua explosão de usuários. É responsável por todas as análises e casos de sucesso de produtos que crescem de maneira exponencial com alavancas de Produto.

O caso Slack

Mas porque estou falando do Slack se o assunto do título desse post é o ChatGTP?

Porque quero mostrar que o hype da época sobre como o Slack funcionava e tudo quanto era startup queria replicar a mesma coisa parece a mesma situação sobre os ensinamentos que o pessoal quer passar sobre o Go-To-Market e estratégia de crescimento escolhida pela empresa.

Passei por isso lá atrás.

Todos os textos que lia sobre o Slack faltava uma peça importante: qual o contexto o qual estava inserido? Qual era a origem do Slack? Como tudo surgiu? Que tipo de usuários tinha acesso? Como as empresas descobriam o produto?

Vocês devem saber que surgiu de uma feature de um jogo, certo? A história geralmente falava do sucesso do pivô, da mudança de rumo que seus fundadores decidiram. História bem comum na época para falar sobre startups.

Mas tem uma informação que pra mim era fundamental e nunca se tocava no assunto no ponto de vista de entender a presença do Slack em startups legais do Vale (o que dava o ar de legal e seguro) e em todas as publicações lidas por esse mercado (o que dava a visibilidade):

O fundador do Slack foi co-fundador do Flickr.

Quando eu fiquei sabendo disso eu via que era praticamente impossível replicar o que o Slack havia feito na mesma velocidade.

Se tem uma coisa que é impossível replicar é acesso e distribuição. E o Slack tinha desde o dia 1. Em Marketing todo mundo sabe:

Distribuição é tudo.

Não quero dizer aqui que o produto não era superior, porque na época era sim. Nenhuma outra ferramenta de comunicação interna que eu conhecia chegava perto da usabilidade do Slack.

Mas o fenômeno da uma distribuição superior anos depois mostrou como esse ponto é tão importante quanto o produto:

A Microsoft com um produto inferior (de acordo com toda e qualquer comentário que é possível encontrar na rede sobre) conseguiu alavancar o Teams e colocar o Slack em uma situação complicada.

E depois ao longo dos anos fomos entendendo mais o Slack como empresa, seu crescimento, sua dificuldade de monetizar a grande base de usuários, os desafios de entrar no mercado Enterprise e a ameaça do Teams.

O Slack é uma empresa de sucesso, mas o ângulo que apresentavam suas conquistas iniciais era sempre simplificado, empacotado em histórias de growth que o universo das empresas tech buscavam. Só que esse fenômeno durou enquanto o dinheiro era infinito, no primeiro momento que deixou de ser vimos a queda de muitas delas.

E agora, no meio do olho do furacão do mercado chegam as análises sobre o ChatGPT da OpenAI.

O caso ChatGPT

Desde o fim do ano passado, com mais força no início desse ano tem aparecido, dia sim, outro dia também, alguma análise sobre o sucesso da ferramenta.

É sobre o número de usuários ativos, é sobre o Go-To-Market, é sobre ser Product-Led.

É sobre o fenômeno que deve servir de exemplo. Tudo acontecendo de novo como sempre acontece no meio tech. Somos muito emocionados com tudo que chega até nós.

Cada vez que eu leio uma opinião sem nuance lembro que, se pensarmos em GTM, é como uma onda, um fluxo. Não é um ponto isolado no tempo. Pouco se fala sobre quem são os usuários do produto. A única vez que vi alguém tentando falar do lado de receita e economics do ChatGPT, tinha erros tão básicos que não tinha como levar a sério.

Mas a história contada é interessante:

Basta o ChatGPT converter uma pequena parcela dos seus milhões de usuários para pagarem 20 Dólares que tem um negócio lucrativo!

Só que essa análise é a mesma que acontecia 10 anos atrás e se mostrou muito equivocada. Ano após ano muitas das startups reverenciadas em growth até hoje não provavaram ter um negócio sustentável. Ainda estão por aí porque alguém resolve bancar e não porque se sustenta com as próprias pernas.

E se a crise no mercado hoje diz que isso precisa mudar, porque estamos comentendo os mesmos erros com as análises sobre o ChatGPT?

Mas entre todas as coisas que querem pegar de aprendizado sobre a OpenAI e o ChatGPT tem uma que sempre fica de fora, e é o mesmo caso do Slack.

O ChatGPT não existe no vácuo. A OpenAI é do ex-presidente da Y Combinator. Tem o que o Slack tinha: acesso e distribuição. Não apenas tem acesso a toda e qualquer publicação tech, como tem acesso a muitas empresas de nome, como a Microsoft.

Alguém acredita que qualquer outra empresa com um produto parecido teria o mesmo acordo e estaria no radar da Microsoft nos mesmos termos que Sam Altman consegue?

E diferente do Slack ainda fica a dúvida se o que oferecem é um produto superior. Depende como queremos definir isso.

É um produto interessante? Sim. Temos como inferir que de fato é um GTM superior ou que é uma estratégia vencedora? Não.

Nem o próprio número de usuários é difícil de verificar.

Primeiro que o número de 100 milhões de usuários ativos não diz nada. Além de ser muito difícil de verificar isso, quem são os usuários? Sou eu que volta e meia brinco com a ferramenta? Ou são os clientes potenciais que vão pagar?

Qual o significado de usuário ativo nesse caso? Qual é o público que querem atingir? É o profissional que vai usar no seu dia a dia ou uma empresa que vai pagar para ter a IA em seus produtos?

É o profissional que vai usar para gerar seus textos e fazer pesquisa ou é a Microsoft colocando dentro do Edge?

Como podemos passar qualquer ensinamento sem entender o contexto e as nuances de como funciona esse mercado?

Isso pode ficar legal e ganhar curtidas num post no LinkedIn, numa thread no Twitter ou ganhar acessos e assinantes no Substack.

Mas estamos cometendo os mesmos erros de análise superficiais que nos trouxeram onde estamos hoje. Gostaria de ler opiniões menos emocionadas e mais críticas sobre o que significa o caso do ChatGPT da OpenAI.

Porque sinto que não estamos aprendendo com tudo que já passamos no mercado tech.