No texto que escrevi sobre Product Led Growth eu falei de algumas atividades que já eram comuns em empresas SaaS antes de se falar sobre PLG. Agora quero ser mais específico ao falar desses elementos que fazem parte de uma estratégia de Product Led Growth.

Esse texto teve sua primeira versão do rascunho do dia 26/05, como vocês podem ver não foi fácil organizar as ideias para escrevê-lo. Isso porque definir esses elementos de uma maneira que conte uma história coerente se mostrou mais difícil do que eu imaginava.

Existem alguns contextos e algumas tarefas que vão ser executadas quando se fala sobre PLG e que devem ser levadas em consideração ao escolher esse modelo. Mas ao pensar em escrever sobre elas ficava sempre me perguntando: será que estou esquecendo de algo?

Talvez depois de pronto apareçam outras ideias e outros elementos relevantes que eu não coloquei aqui por esquecer ou por não tê-los encontrado nas minhas experiências.

A primeira coisa importante é saber que decidir por seguir o caminho do Product Led Growth é fazê-lo no nível estratégico e não somente no operacional e tático.

Apesar de estar em alta e fazer muito sentido para muitas empresas (principalmente no modelo SaaS ou que se beneficiam de escala, como por exemplo alguns aplicativos) é sempre bom olhar para dentro de casa ao resolver adotar alguma estratégia que irá direcionar o negócio como um todo.

Sim, falar de PLG é falar de uma escolha estratégica. Ela não acontece apenas no nível de times de produtos, ela vai ter que ser suportada pela empresa toda como um todo.

Então, o que é preciso considerar antes de acreditar em efetuar essa mudança estratégica?

Maturidade do Produto e do Mercado

Vamos começar falando do produto.

Você olha pra ele e o que vê? Está ainda numa fase de muitas descobertas e incertezas? Já encontrou um cenário de um crescimento constante de receita e novos clientes? Está próximo de escalar ou ainda tem muitas coisas para resolver no que diz respeito a sua proposta de valor?

Já consegue identificar que atingiou o tão sonhado Product-Market Fit?

Caso você considere que ainda tem muito a fazer no que diz respeito a fase de Discovery, se precisa validar muitas hipóteses e escalar nesse momento pode ser simplesmente morrer mais rápido, talvez você não deva seguir com PLG.

Isso porque por definição você optando por ele estará dizendo que vai qualificar seus leads de maneira automatizada baseada no comportamento deles. Mas isso siginifca também que precisará ter um entendimento muito grande de quem eles são, porquê eles compram e como acelerar isso.

Caso ainda precisa de muitas respostas para perguntas sobre seu produto e quem se beneficia dele, é melhor que você tenha uma estratégia muito mais próxima de querer realmente pegar pela mão quem chega, marcar dezenas de conversas, fazer demonstrações e testar diferentes abordagens.

O que você menos deveria querer era perder a oportunidade de estar bem próximo de quem chega ao seu produto. Só assim você realmente vai saber pra quem está vendendo, ou melhor, quem está comprando.

Com essas informações você poderá criar toda a comunicação, design, onboarding, qualificação, triggers, eventos… enfim, você conseguirá criar o cenário ideal para que pessoas com o mesmo perfil ideal consigam sozinhas ver todo o valor que você está oferecendo e convertam em clientes praticamente de maneira self-service.

Possibilitando seu produto e empresa escalar sem precisar ter cada vez mais vendedores ou um time de marketing cada vez maior.

Mas e se você responder todas as perguntas do início dessa parte e chegar a conclusão de que seu produto está pronto. Será que seu mercado está?

Seu produto está redondo para atender uma necessidade no mercado. Você sabe que existem melhorias, tem uma visão de produto, tem seu backlog de desenvolvimento, tem claro onde quer chegar. Mas como é o mercado em geral?

É um mercado com outros concorrentes? É um mercado onde os consumidores são educados sobre o que você resolve ou você ainda é quem faz toda essa educação? Se você desligar a chave do seu time de Marketing, Vendas, Suporte, Sucesso do Cliente, as pessoas conseguiriam por si só entender tudo que você está propondo de melhorias?

Vou pegar como exemplo o mercado de Automação de Marketing em 2014 no mundo e no Brasil. Estamos em 2019 e ontem li um artigo trazendo as mesmas dores e problemas que times de Marketing passam ao utilizar automação.

Todos querem usar, todos dizem que precisam e uma pequena parte ainda diz que consegue ter sucesso ou que usa tudo que deveria de suas ferramentas. Ainda reclamam que a falta de recursos e de pessoas qualificadas são um gargalo e atrapalham o uso pleno dessas tecnologias.

Apesar de ter empresas nesse segmento que utilizam PLG praticamente todas dão opção do usuário contratar um pacote de consultoria (não estou falando aqui daquelas que hoje cobram a implementação por padrão).

Quanto mais o esforço de educação do mercado seja maior, mais difícil o PLG ser a melhor opção. É possível usar? Sim, mas em modelos onde ele divide os holofotes com estratégias de empresas voltadas a Marketing e Vendas.

E, como falei no outro texto, esse é o exemplo da Hubspot. PLG pra eles é em ferramentas de entrada que são simples e baratas. Para as plataformas mais robustas e complexas, ou seja, o produto central deles, ninguém escapa do contato mais próximo com a empresa.

Olhe seu produto e olhe seu mercado. Tenha uma visão muito clara do momento de cada um a respeito da maturidade e só então siga em frente.

Modelo de Negócio

O título dessa parte é bem amplo mas quero partir do princípio que você vende para outras empresas (não tenho experiência para falar de modelos como Spotify, Netflix e outras opções de assinatura recorrente para clientes finais) e precisa tomar as decisões de preço e para que tipo de empresa quer vender.

Você pretende vender para PMEs ou grandes empresas? Ticket médio baixo ou alto? Vai ter um modelo híbrido onde seus planos atendem tanto os pequenos quanto aos grandes?

Vamos tirar logo da frente a seguinte questão: se você quer vender para mercados enterprise você vai querer ter um relacionamento próximo a quem está comprando, afinal, vai ter muito dinheiro na mesa. E pode ter certeza que o seu cliente vai ter a expectativa de ser guiado na decisão.

Você pode até ter um período de testes mas dificilmente terá sucesso em criar um cenário de qualificação self-service inerente ao PLG. E também duvido muito que seu período será longo o sufiente para detectar os comportamentos mais relevantes.

Pode acontecer? Pode, mas é improvável.

Outro detalhe é que mercados assim geralmente tem poucos players, você não vai ganhar no volume e falar de escala é mais complicado. Seu mercado endereçável vai ser pequeno por natureza, mas com muito dinheiro.

Agora vamos para o outro lado da moeda. Você já definiu que quer trabalhar com PMEs e o ticket médio vai ser baixo. Você ganha em volume. Você precisa escalar!

Nesse cenário usar o produto como motor de crescimento vai ser muito importante. Com um ticket médio baixo o custo de aquisição vai ficar cada vez mais alto se você precisar cada vez mais de gente para converter um cliente.

Sem contar que se você não criar situações onde por si só seu produto entrega valor, ajuda no sucesso dos seus clientes, os faz renovar, os retém e os mantém por perto por anos, seus custos também serão altos.

Lembre-se, escalar não é só aquisição de clientes mas também e mais importante, reter os que você já conquistou.

Você também pode ter decidido estar entre esses dois espectros. Possui planos mais baratos e planos que necessitam um investimento alto.

Geralmente esses planos mais altos são chamados de enterprise e passam a seguinte mensagem: olha, atendemos pequenas e médias, esse é nosso foco. Mas se você é uma empresa grande e quer utilizar o que oferecemos também vamos lhe atender.

Nesse sentido é comum vermos que os esforços de Product Led Growth fica nos planos básicos e intermediários. Os planos mais caros, os enterprise, sempre vão exigir um contato prévio. Aquele famoso botão “entre em contato”.

Caso essa seja sua escolha você vai precisar ter um time de vendas ou alguém que faça esse papel. Você vai precisar de uma estrutura que invista tempo nas conversas, nas apresentações e no setup do produto para esses grandes clientes.

E toda a inteligência que você criar no que diz respeito a sua estratégia de PLG vai precisar também ajudar a identificar quando um desses possíveis grandes clientes (em tamanho ou em orçamento) estão utilizando os planos mais básicos ou até mesmo o plano gratuito (que é uma das táticas clássicas do Product Led Growth) para que alguém já entre em contato e traga pra próximo da empresa esse lead.

Então as decisões sobre pra quem vender e sobre planos e preços influenciam diretamente se seguir essa estratégia faz sentido ou não.

Marketing e Vendas

Uma coisa tem que ficar clara é que usar PLG e o conceito do Product Qualified Lead ao invés de colocar o peso da qualificação em Marketing Qualified Leads ou Sales Qualified Leads não significa que não vai ter investimento nessas áreas.

Principalmente se você está nesse modelo que citei por último acima ou se quer sair de um modelo vendendo exclusivamente com planos mais baixos e quer subir no mercado (exemplos clássicos da atualidade são Intercom e Drift).

Ao ler exemplos sobre Product Led Growth o Slack costuma aparecer com um grande exemplo. Mesmo assim esses dias vi esse tweet:

Nessa thread ainda citam uma matéria do Yahoo Finance com o seguinte título:

Why Does Slack Spend So Much on Sales and Marketing?

Você precisa investir em Marketing para criar seu posicionamento, a mensagem e o copy do seu site e seus materiais. Você precisa investir em manerias de trazer seus clientes ideais até seu produto.

Você vai investir em Marketing de qualquer jeito e muitas vezes precisa colocar um bom dinheiro nisso.

E você precisará de alguém que assuma esse papel. Vai ter alguém olhando para isso como principal função.

Se o seu mercado é competitivo (olha a maturidade aí) talvez seja “caro” trazer um lead e converter em usuário. Mas com o volume e toda estratégia de PLG ficará “barato” olhando em perspectiva.

No caso de Vendas precisará também que alguém assuma esse papel quando necessário. Talvez você não vá ter um time de vendedores se não pretende entar em negociações mais complexas, mas vai aparecer gente querendo conversar antes de assinar.

Ou mesmo depois de assinar assim que usar alguns meses e resolver se importar com aquele desconto no cartão que agora não está parecendo tão em conta porque ainda nem deu atenção ao produto.

Aliás, essa é uma situação muito clássica e perigosa para empresas com produtos que são baratos.

Pro cliente é fácil por um cartão e começar a pagar valor mensais quando não é um valor relevante sendo descontado. Mas isso não significa que essas pessoas estarão usando. Então, em algum momento, é provável que você precisará vender a alguém que já está pagando.

Aqui estou falando mais das atividades de Marketing e Vendas do que necessariamente de departamentos e job description de profissionais.

Não é porque você agora decidiu que vai deixar de ser uma empresa voltada a Marketing e Vendas e se tornar uma empresa de Produto que os investimentos nessas áreas irão sumir.

A questão toda é no que diz respeito a responder a seguinte pergunta: consigo usar meu produto para ser mais acertivo e conseguir escalar sem colocar mais pessoas pra dentro do meu time?

E não responder: agora eu vou gastar menos em Marketing e Vendas?

As grandes empresas SaaS e empresas de produtos tecnológicos que são referência em Product Led Growth investem muito nessas áreas mesmo sabendo que precisam que seu produto seja o motor do crescimento.

Não é excludente. Ainda mais quando é bem provável que se você pode pensar em PLG é porque o mercado como um todo está educado, está crescendo, tem dinheiro na mesa e muitos estão brigando por ele.

Stack de Tecnologia

Não existe estratégia em que o Produto é usado como motor de crescimento se você não quiser investir em tecnologia.

Vai ter que sair do Google Analytics e começar a pensar em outras ferramentas de coleta e análise de dados, de automação de mensagens, de chat, entre outras dependendo do seu tamanho.

Caso você seja uma DigitalOcean irá construir algo próprio mas se não tem esse mesmo tamanho terá que buscar soluções no mercado.

Você precisa criar as definições sobre quem é seu cliente ideal, os comportamentos, o uso do produto, os momentos que indicam estar mais perto de pagar ou não… enfim. Muitas vezes serão hipóteses que seu time irá criar e colocar para testar mas vai precisar de tecnologia para conseguir ter essas respostas.

Esse item não tem muito do que falar. Com toda certeza não vai ser apenas com o Google Analytics que você irá conseguir.

E também não é só com uma ferramenta de automação com alguns relatórios. Porque eles tendem a ser relatórios de Marketing porque não é um analytics de Produto.

Você irá precisar no mínimo de uma ferramente de análise de Produto (ex.: Heap, Mixpanel, Indicative), um CRM, uma ferramenta de automação de mensagens que tenha tracking de comportamento mais granular (ex.: Intercom, Drift, Customer.IO, Drip, Autopilot) e alguma que integre umas nas outras para que todas compartilhem os mesmos dados (ex.: Segment, Zapier).

Diria que esse é o stack mínimo. Algumas delas tem planos gratuitos que podem atender suas necessidades até certo ponto.

Mas você tem que saber que vai precisar investir na parte ferramental com toda a certeza.

Marca e Storytelling

Esse é um dos pontos que eu estava na dúvida se fazia sentido, mas depois de pensar muito acho que sim.

A questão da Marca e a história que você está contando é o que eu acredito que dá a tranquilidade e entrega muitas das respostas para as pessoas que estão chegando ao seu produto, usando ele por conta própria e se tornando clientes pagantes.

Acho que a Marca está diretamente ligada na questão da maturidade do Produto e do Mercado.

As pessoas reconhecem você? Elas lembram de você? Elas entendem para quem você é e para quem você não é?

Uma Marca forte com certeza terá um posicionamento claro e relevante. Ela vai passar confiança e tirar a ansiedade de quem está interessado em seu produto e não vai ter alguém disponível para pegar todos pela mão.

Ela não precisa ser convencida por um humano que você é a melhor solução, a sua Marca fará isso por você.

E ela vai fazer isso como? Contando uma história relevante.

Começando pela educação do seu Mercado que é sua responsabilidade. Pelas mensagens do seu site e de todos os seus canais onde seus clientes e possíveis clientes terão contato com você.

Tudo isso que essas pessoas enxergam fora do seu produto deverão encontrar ao fazer o cadastro, ao entrar na sua aplicação e começar a configurá-la.

Ela tem que ver essa mesma história em cada uma das mensagens automatizadas, nos pop-ups e guias durante o onboarding dentro do protudo.

Nas recompensas por completar etapas, caso você tenha, ou no fluxo que você criou para guiá-las até os pequenos momentos de sucesso em direção ao maior valor que você quer entregar.

Parece que é óbvio isso, mas o que mais tem é empresa que promete muito fora do Produto e tem uma cara antes de abrir as portas da sua casa e depois ser totalmente diferente quando alguém resolveu entrar.

Se você não tiver uma Marca, uma promessa de um futuro melhor para quem chegou até você, uma diferenciação dos seus clientes, você vai precisar um esforço muito grande de pessoas em contato direto com quem chega no seu Produto para entender cada um dos pontos de melhorias.

Em minha opinião, você precisa se preocupar com outras questões além de optar pela estratégia de PLG se, na visão do mercado, você é igual a qualquer outro.

Esse item é mais uma lembrança de que Product Led Growth não é só pensar em Produto, Produto, Produto ou vamos construir e as pessoas virão.

Se você opta por essa estratégia com a mentalidade descrita logo acima, você irá falhar.

Você está pronto?

Esse texto é uma opinião pessoal baseada em experiência pessoal na prática e em estudos de diferentes áreas mas acha que aprofunda mais a conversa sobre Product Led Growth.

Costumo ver muitos textos falando mais como outras empresas fizeram ao invés de propor uma dicussão anterior que é: você está pronto para utilizá-lo?

Vejo que é bem comum tirar esse lado mais crítico quando estamos falando de algumas atividades como Inbound Marketing, Account Based Marketing e PLG. Tudo acaba parecendo a próxima coisa que vai virar o jogo.

Vale a pena pensar bem antes de entrar na onda do hype.

Espero que esse texto ajude a começar uma discussão mais séria sobre o assunto. E espero que ele sirva também para que eu aprenda mais quais são outros pontos importantes de se levar em consideração.

E aí, vocês estão prontos?