Estou lendo um livro chamado Not a Scientist: How Politicians Mistake, Misrepresent, and Utterly Mangle Science onde o autor mostra como políticos jogam com a ciência para promover algum ponto que querem defender, cometendo erros e trazendo interpretações erradas sobre o assunto. Um dos capítulos tem como título The Certain Uncertainty e foi por causa dele que resolvi escrever uma reflexão.

Esse deve ser um texto curto só para compartilhar uma ideia sobre algo que esse capítulo, de um livro que não tem nada a ver com o mundo dos negócios, me fez associar com um sentimento que já tinha em relação a algumas decisões internas de empresas e times de Produto.

A ideia geral do capítulo The Certain Uncertainty, ou “A Incerteza Certa”, é a seguinte:

Muitas vezes políticos utilizam o argumento que a ciência não está 100% certa sobre algum assunto como sinônimo de que não se sabe nada sobre o assunto em questão.

Isso se reflete em argumentos contra o aquecimento global. Alguns políticos são contra medidas mais duras para controlar emissões de gases na atmosfera porque, segundo eles, ainda não é algo 100% definido sobre as dinâmicas que levam ao aquecimento.

Recentemente vimos políticos falando o mesmo em relação a vacina contra a COVID. Por não se ter 100% de informações a respeito delas tentam passar uma imagem de que não se sabe nada e por isso nenhuma medida será tomada.

Acho que se formos pensar no discurso político muitos exemplos disso vamos encontrar. Mas e o que isso tem a ver com o mundo de Marketing, Negócios e Produto?

Na minha primeira experiência trabalhando com tecnologia em uma startup, eu lembro que me incomodava muito a demora para tomar algumas decisões importantes e muitas vezes difíceis. Tinha um sentimento que sempre faltava algo para se tomar uma decisão.

Estávamos sempre atrás de mais uma pesquisa ou mais um teste A/B.

Alguns anos antes dessa experiência eu tinha escrito o artigo Nos tornamos reféns das pesquisas?, o qual revisitei aqui nesse blog com alguns comentários atualizados. Enfim, a ideia era basicamente questionar se precisávamos pesquisa para tudo.

Enfim, voltando ao caso da minha primeira experiência em startups de tecnologia.

Nessa época todo mundo já havia lido o Startup Enxuta, tinha cruzado com os conceitos de Customer Development, falava em Growth Hacking então a cultura de testes era bem forte. Só que, por outro lado, esquecíamos que no fim isso tudo ajudaria a melhorar de forma contínua decisões de negócios que levam em conta pra onde se pensa em ir com o produto.

Essas decisões de negócio são decisões estratégicas e decisões estratégicas apesar de poder ter suporte de dados elas sempre terão incertezas e momentos onde escolhas importantes precisarão ser feitas com muita incerteza.

Mas, como no caso da ciência, abraçar a incerteza não é assumir que não se sabe nada.

Aliás, diria que no mundo dos negócios e Produtos, sabemos mais do que queremos acreditar.

Tem um termo do Startup Enxuta que se fala menos do que o ciclo de Construir > Medir > Aprender que é o de leap of faith (salto da fé).

Quer algo mais claro que isso sobre dar um salto em direção ao incerto?

Desde essa época eu comecei a observar em outras empresas que passei o quanto muitas decisões não eram tomadas porque as pessoas assumiam por padrão que não sabiam a resposta.

Entendo que quanto maior o risco, mais as pessoas vão querer se proteger para ter toda informação possível para a decisão, mas a maioria das decisões que acontecem no dia a dia elas podem ser revertidas facilmente.

E se podem ser revertidas facilmente o que é melhor: dar o salto da fé do lean startup ou ficar sempre atrás do mais novo dado para tal?

Vou usar um caso recente.

Em uma das últimas empresas que eu trabalhei meu foco seria vender pro mercado de grandes contas. Era um segmento novo que já havia alguns clientes mas a empresa acreditava que tinha muita oportunidade de mercado para capturar uma parte dele.

Em vendas B2B construir o Ideal Customer Profile (ICP ou Perfil do Cliente Ideal) é fundamental para se converter mais e melhor empresas em clientes e depois ter um retorno saudável ao longo do tempo.

Só que ao definir um ICP fica implícito uma escolha que se fará no mercado. Você não vai vender pra todo mundo. Ao mostrar qual é o cliente ideal você também está dizendo qual tipo de empresa você nem vai fazer esforço pra vender.

Isso assusta porque é bem provável que seu CEO, seu Diretor de Vendas ou seu Executivo de Contas pensam que podem vender pra todo mundo (ainda mais se estams falando em empresas numa primeira fase de crescimento acelerado).

Como você acha que é a melhor maneira de definir o ICP. Uma pesquisa super demorada e complexa ou colocando pessoas chave numa mesma sala para debater por 1h?

A segunda opção é um ótimo ponto de partida. Mesmo assim, toda vez que você fala para uma empresa que ela precisa definir um ICP e fazer uma escolha, vão tentar levar a conversa para algo mais complexo do que o necessário.

Esse exemplo acima é um bem de Marketing e Vendas. Vou pegar um de Produto.

Quem trabalha com Produto e já teve que tomar decisões sobre priorização de funcionalidades e buscar oportunidades que devem ser atendidas, sabe que é um grande erro partir do zero.

Não é a toa que hoje se fala muito em Product Discovery. Mas estamos falando em partir do zero.

Será que sempre partimos do zero? Será que, como políticos que jogam com a ciência, a incerteza sempre significa que não sabemos nada?

Lembra da startup que eu citei no começo desse texto e que me incomodava a demora para decisões?

Em um momento a gente estava pensando para onde levaríamos o produto, onde seriam feitas as melhorias e inovações. Algumas eram fáceis de identificar porque vinham de conversas com usuários, de análises das métricas de uso do produto mas outras eram muito do que estávamos vendo no mercado.

Uma dessas que eram de uma visão de mercado era sobre como deveríamos apresentar em nosso produto a construção das automações. Era uma ferramenta de Automação de Marketing e nela era possível criar automações de mensagens ou de outras ações.

Na época o comum no mercado era um modelo linear, ou seja, se mostrava na tela uma ação após a outra em sequência:

Primeiro acontece ação A > Tanto tempo depois da ação A acontece ação B > Tanto tempo depois da ação B acontece ação C > e assim por diante.

Quando olhávamos o mercado assim que acontecia nas ferramentas que eram nossas concorrentes. Só que uma delas já começou com uma outra lógica.

A construção das automações seria como um fluxograma onde formas indicavam diferentes ações e era possível conectar e costurar a jornada sem precisar ser com uma visão linear.

Na hora a gente pensou: isso faz muito sentido porque é assim que a gente enxerga na nossa cabeça.

E usar fluxogramas para definir um caminho até um resultado acontecia em outros momentos. O time levou pro CEO uma ideia de seguirmos esse caminho. Essa ideia estava muito alinhada com o nosso posicionamento e poderia ser um diferencial pra nossa oferta.

O que se viu foi um argumento de por ter incertezas não saberíamos de nada.

Obviamente não dá para afirmar que ter implementado isso teria feito o Produto ter um destino diferente, mas hoje praticamente toda ferramenta de Automação de Marketing utiliza como criador de automações uma visão mais próxima de um fluxograma do que uma lista de itens.

Além desses já vi tempo ser desperdiçado e até levar a uma não ação pelo argumento de que por não sabermos tudo, não sabemos nada.

O que tenho tentado trazer para os times que eu trabalho é abraçar a incerteza e assumir que sabemos muito mais do que queremos defender. Talvez isso aconteça porque não existe uma cultura que fortaleça isso.

Quem tem a segurança de tomar decisões arriscadas? Mesmo quando essas decisões são facilmente reversíveis?

Quantas vezes seu time de Produto ficou adiando decisões por receio de arriscar e perdeu o tempo pro mercado?

Quantas vezes seu time de Marketing demorou para definir segmentações ou ICP dos clientes porque nunca achava que tinha informação o suficiente?

Quantas vezes você argumentou que não faria algo em nome de uma incerteza óbvia que sempre existirá mas que servia como muleta para não tomar uma decisão?

O caso do livro os políticos que usam esse argumento tem uma agenda própria. E no nosso caso? Porque nos protegemos do risco?

A mensagem final é: a incerteza existe mas isso não significa que não temos coisas as quais as certezas também estão lá.

Ter dúvidas e questionar é essencial para o aprendizado mas isso só dá um feedback rápido se, ao mesmo tempo, estamos dando um salto de fé em direção ao incerto.