Esse texto foi publicado pela primeira vez no dia 14/10/2015 no Medium

A ideia desse texto vem de um acompanhamento diário do que acontece no mercado das startups. São dezenas de artigos por dia.

Cada artigo com comentários apaixonados daqueles que acreditam no mercado e aqueles que só estão esperando a bolha estourar.

O que se vê no mercado

É complicado ficar informado sobre o que acontece e se a situação é boa ou ruim por algumas razões:

  1. É sempre difícil diferenciar uma matéria escrita genuinamente sem influência da startup que está sendo citada (o esforço de RP nesse universo parece ser muito maior do que o normal das empresas);
  2. Todos os grandes sites de tecnologia que falam sobre startups parecem seguir a mesma linha e as matérias não são muito diferentes umas das outras, o que não leva a um questionamento mais crítico do que se está dizendo. Não é fácil achar informações conflitantes;
  3. O cenário que se pinta nos artigos é sempre bom e promissor, mas o que se vê nos comentários geralmente é o oposto. Sei que comentários na internet devem ser lidos com muito cuidado, mas mesmo assim. Quando é difícil achar um lado que questione o que se está sendo dito, é melhor dar mais valor aos comentaristas.

Quem acompanha de perto o mercado das startups deve estar acostumado com notícias sobre novos aportes milionários que algumas startups recebem.

Deve estar acostumado com os tais unicórnios, aquelas startups que dizem valer alguns bilhões de dólares.

Quem trabalha com startups deve estar acostumado a tentar descobrir o que faz essas startups tão atraentes para investidores.

Deve estar acostumado em buscar maneiras de crescer para talvez um dia se tornar o mais novo unicórnio.

Parece que todo o mercado de startups acredita na história de que qualquer um pode ser um empreendedor se tornando mais um milionário da internet.

Que qualquer empresa pode valer alguns milhões sem ter provado muita coisa concreta e um dia valer alguns bilhões.

Querem ser o novo Google e o novo Facebook (esquecendo que muitas empresas do boom das mídias sociais ainda não encontraram um modelo lucrativo).

Querem ser o novo Slack, o novo Airbnb, o novo Snapchat e o novo Uber (esquecendo que nenhuma delas gera receita para manter sua operação de maneira competitiva e crescer o suficiente. Por isso buscam aportes com frequência).

Esses dias li uma piada que me parece explicar bem um conceito de sucesso meio perigoso no mundo do Vale do Silício:

A million guys walk into a Silicon Valley bar. No one buys anything… Bar declared a huge success.

Muitas vezes se fala no número de usuários e o quanto se pode crescer nesse aspecto de maneira exponencial.

A ideia é que crescendo assim, muita gente irá acabar pagando até chegar em um ponto onde a empresa irá gerar cada vez mais receita até se tornar lucrativa.

Não me parece que esse cenário condiz com o que já aconteceu em outras épocas e que acontece todo dia no mundo dos negócios.

As últimas crises econômicas são bem recentes e todas parecem vir depois de um grande momento de euforia.

Então, o quanto essa nossa visão das startups é racional? E o que isso pode nos ensinar?

Vamos começar essa conversa deixando as startups de lado por um momento.

Michael Lewis e a insanidade financeira

Michael Lewis em 2008 publicou um livro chamado Pânico — A história da insanidade financeira moderna.

Ele trata de algumas das mais recentes crises financeiras conhecidas como a Segunda-feira negra, a implosão da bolha da internet, a crise das moedas asiáticas, o default do governo russo que levou à falência o fundo de hedge Long-Term Capital Management e a crise de 2008.

O interessante é que foi organizado reunindo artigos pré e pós o estourou das crises com a finalidade de observar e tentar entender como funcionam os mercados financeiros.

Na contra-capa o tradutor para a versão brasileira escreve o seguinte sobre o livro:

Conheça a história por dentro, os grandes bancos e corretoras; e por fora, na perspectiva do pequeno investidor que tanto sofreu com essas crises.

Aprenda sobre os seguidos erros de analistas, gestores de fundo, da mídia e até dos gênios com suas mirabolantes fórmulas para tentar vencer o risco.

Veja como a história se repete e raramente se tomam medidas necessárias para evitar a próxima bolha, a próxima crise. Ciclos de euforia seguidos de ciclos de depressão e crise.

Vocês não conseguem enxergar o mercado das startups hoje nessa descrição de um livro escrito em 2008?

Tendo lido livros como O andar do bêbado, A lógica do Cisne Negro e Rápido e Devagar eu sei que somos muito bons em contar histórias para explicar o que aconteceu no passado para tentar prever o futuro (e acabarmos sendo péssimos em fazer essas previsões).

Ao longo desse texto não quero em nenhum momento dizer que eu sei que uma hora o mercado vai ruir. Não tenho como saber isso, assim como não tem ninguém que possa dizer com certeza que será muito próspero.

Mas eu acredito que é um caminho muito perigoso que está sendo criado. É uma filosofia de negócios que vende somente sucesso. Mesmo quando se fala em falhas (existe o orgulho de falhar), se fala quando se chegou a um sucesso.

Quem fracassou e não teve uma segunda chance, aposto que não é muito orgulhoso disso.

Está sendo criada uma ideia de que qualquer final de semana a mais nova startup milionária irá surgir. Com certeza as coisas não são bem assim.

Mas isso tudo vai inflacionando o mercado. Os fundadores avaliam suas criações muito mais do que deveriam. Os investidores não querem ficar de fora da nova onda e pagam muito mais que deveriam.

Mas qual é a realidade das startups?

Quantas startups vivem para ver um novo dia?

Em janeiro desse ano o Neil Patel escreveu um artigo para a Forbes entitulado 90% Of Startups Fail: Here’s What You Need To Know About The 10%.

Esse valor de 90% pode ser discutível. Há quem acredite que esses números não são tão ruins, pelo menos nos EUA:

About half of all new establishments survive five years or more and about one-third survive 10 years or more. As one would expect, the probability of survival increases with a firm’s age. Survival rates have changed little over time. Source: U.S. Bureau of Labor Statistics, BED

Pode ser que metade das novas empresas fique ativa pelo menos 5 anos e 1/3 delas 10 anos ou mais. Também vai depender do setor da empresa e, certamente, do país. Outra questão é diferenciar o que levou a empresa a fechar, se foi falta de dinheiro ou outra razão qualquer.

Mesmo se o quadro não é tão ruim quanto os 90%, essa é um informação que pouco é discutida. Em sites de tecnologia e de startups lemos muito mais sobre as bem sucedidas e o que elas fizeram pra chegar lá do que sobre as que falharam.

Conversar sobre as que falham é importante porque acredito que muitas tentaram seguir o que as de sucesso fizeram mas mesmo assim sumiram do mapa.

A questão é que o mercado de startups não é tão bonito e lucrativo quanto aparenta ser e isso tem levado a uma loucura de avaliações supervalorizadas a respeito de vendas futuras, clientes futuros e quanto dinheiro a empresa irá gerar.

Como se avalia uma startup?

Um investidor e uma empresa que trabalhe com isso vai dizer alguma fórmula com muitas variáveis para se chegar a um número “real” de quanto vale uma empresa.

Jason Fried do Basecamp explica como isso acontece. Em um artigo publicado no Signal Vs Noise ele descreve como tratou do assunto valuation em uma palestra ao ser questionado quanto valia o Basecamp:

A valuation is what other people think your business is worth. I’ve only ever been interested in what our company is worth to us.

Startups these days are bantered about as if they were in a fantasy football bracket. Did you hear Lyft raised another $150 million at a $2.5 billion valuation? But Uber got tossed another $2.8 billion at a $41.2 billion valuation! Then there are the companies barely off the ground getting VC backing with 25x valuations, despite having no product or business model.

Entrepreneurs by nature are competitive. But fundraising has become the sport in place of the nuts and bolts of building a sustainable business…

…The process of constructing a valuation was pretty silly, to be honest. We drew up charts, made some educated guesses, negotiated back and forth, and ultimately came up with a figure. We made it up, as everyone does.

Let’s just admit it right now: Financial projections are big, fat guesses. They are best-case scenarios. Since they’re hypothetical, why not pull a number out of a hat?

Querendo ou não, projeções assim são mesmo um grande jogo de adivinhação.

Nós podemos criar diversos cenários e criar hipóteses com base em dados históricos para chegar a algum resultado mais “plausível”, mas no fim do dia somos péssimos em projetar o futuro.

Essa valorização das valuations está fazendo alguns investidores se sentirem receosos com o futuro.

Os valores sendo pagos nas rodadas de investimento e as valuations estão em um nível tão alto como o visto antes do colapso das ponto-com, de acordo com o artigo de março desse ano da Bloomberg entitulado Hedge Funds Are Boosting Tech Valuations to Dangerous Heights.

Nesse mesmo artigo o seguinte dado é apresentado:

There are typically 10 to 15 exits a year at $1 billion or more in value,” a total that has changed little in five years, Weber said. “You can count on half a finger the exits at $30 billion or more.

São poucas empresas que ofertam suas ações no mercado que atingem os valores que usam para buscar investimentos. Inclusive algumas acabam adiando seu IPO porque não acreditam que no momento conseguirão chegar ao nível da valuation que tem no mercado privado.

Essa análise dos IPOs está em outro artigo da Bloomberg que começa assim:

Even as funds continue throwing cash at private companies, sending valuations to record heights — including Uber Technologies Inc. reaching $40 billion last week — investors in recent initial public offerings aren’t paying up.

This week, venture-capital-backed startups New Relic Inc. and Hortonworks Inc. are projected to price their IPOs at valuations equal to or lower than their last private funding rounds. The same thing happened to customer-service platform Zendesk Inc. in its May IPO. Other startups, such as Box Inc. and online-dating site Zoosk Inc., have delayed going public, partly out of concern that they can’t fetch the same valuation in the stock market that they did from private investors.

The trend highlights how there’s increasingly a disconnect between the valuations of closely held companies and publicly traded ones in the technology industry, which may end up serving as something of a check-and-balance to the froth among Silicon Valley startups. The developments remain nascent and some of the companies, such as Zendesk, have gone on to boost their market capitalizations after going public.

“The public market is still rational when they’re buying these IPOs, while in some cases private-market investors are irrational,” said Leslie Pfrang of Class V Group, which advises startups on going public.

Essa suposta irracionalidade do mercado privado é diminuída por VCs como Dave McClure que argumenta que o mercado como um todo, não só o de tecnologia, está supervalorizado.

Isso pode ser verdade, mas a preocupação com mais uma bolha tem o foco no mundo das startups.

Estamos numa bolha?

Sempre que uma conversa sobre as startups entra no assunto bolha começam as polêmicas. Alguns estão certos que estamos nela, mesmo que considerem que seja diferente da que derrubou as ponto-com no início dos anos 2000. Outros dizem que não, o contexto agora é outro, as startups geram receitas reais.

Na minha opinião existe sim uma bolha. Uma reportagem da Vanity Fair de agosto desse ano (2015) pinta um quadro o qual eu acredito.

Ao longo do artigo ele vai relacionando comportamentos de outras épocas anteriores a um colapso que se repetem hoje.

Coisas como preços dos imóveis na região que está recebendo muito dinheiro pelos negócios que estão sendo desenvolvidos lá, investimentos em novos prédios, festas extravagantes e valuations cada vez maiores de empresas que ainda tem muito a provar sobre rentabilidade.

Um dos relatos sobre como está funcionando o mercado da captação de dinheiro diz o seguinte:

When he asked the C.E.O. why he had valued his company at $1 billion, he was told, “We need to be worth a billion dollars to be able to recruit new engineers. So we decided that was our valuation.”

Como sugere Jason Fried, o valor de uma startup parece estar muito focada em números que não passam por nenhuma fórmula concreta.

Inclusive Aileen Lee, a VC que cunhou o termo unicórnio diz:

We basically doubled the number of unicorns in the past year and a half.

But a lot of these are paper unicorns, so their valuations may not be real for a while.” Others, Lee acknowledged, may never see their balance sheets add enough zeros to justify the title. They will be given a new sobriquet: “unicorpse”.

O número de unicórnios aumenta mas muitas estão só no papel. E o que a realidade tem mostrado é que pouquíssimas startups conseguem no mercado o que tinham de valorização no setor privado. Outras levam tempo, como o Facebook. E outras com o passar do tempo vão perdendo valor.

Mas se estivermos numa bolha, o que isso significa?

O que me parece comum nos artigos sobre o assunto, é que ela é diferente da que estourou no início dos anos 2000.

Alguns argumentam que na época o estouro afetou diretamente o mercado público, pois as startups estavam lançando IPOs rapidamente.

Hoje leva-se em média 7 anos para uma empresa de tecnologia ir captar donheiro no mercado com o seu IPO.

Nessa linha, Mark Cuban, tem a seguinte opinião. Em um artigo na Bloomberg:

If we thought it was stupid to invest in public internet websites that had no chance of succeeding back then, it’s worse today.

I have absolutely not doubt in my mind that most of these individual Angels and crowd funders are currently under water in their investments. Absolutely none. I say most. The percentage could be higher.

Why ?

Because there is ZERO liquidity for any of those investments. None. Zero. Zip. […]

The only thing worse than a market with collapsing valuations is a market with no valuations and no liquidity.

If stock in a company is worth what somebody will pay for it, what is the stock of a company worth when there is no place to sell it?

Outros admitem a bolha mas não são tão catastróficos como Mark Cuban:

We are definitely in a bubble. This one is not as bad as 2000,” Dagres said. “If you wake up in a room full of unicorns, you are dreaming and you can’t expect the dream to continue. Todd Dagres

No mesmo artigo da citação acima, se ameniza a história de estarmos ou não em uma bolha, com a declaração de um investidor de não termos uma bolha de valuations, mas de risco (mas sem diferenciar uma da outra).

O concenso de que a possível bolha é diferente também indica quem seria realmente afetado com o estouro dela.

Funcionários mais recentes que são atraídos com participações nas ações, irão ficar pra trás na fila para receber o que devem em caso da startups sumir do mapa.

Também coloca em risco os investidores que entrarem nos últimos rounds de investimento, pois os primeiros se protegem com cláusulas que garantem o retorno do que investiram em IPOs que paguem um valor abaixo do que o estabelecido no round de financeamento.

Podemos estar ou não em uma bolha, mas algo muito louco está acontecendo no mercado.

A valuation está alta. E os lucros?

Nem tanto. As vezes nem existem.

Tenho a impressão que existe o mito dos lucros no mercado das startups. Poucas conseguiram um modelo de negócios que seja lucrativo e as que conseguem geralmente tem produtos que só dão prejuízo mas acabam sendo importantes para a estratégia geral da empresa.

Sei que isso acontece em outros setores, não só o da tecnologia, mas as vezes penso que quando se fala em startups que não dão lucro, o pessoal é mais tranquilo. Sempre dizem:

Elas estão investindo em crescimento, os lucros virão.

Talvez aquelas que conseguem dinheiro facilmente através de investidores realmente consigam pagar 1 “dinheiro” a cada 0,7 “dinheiro” que receba. Mas por quanto tempo? Alguns acreditam que isso uma hora irá acabar:

Basically the theory is that you can only sell a dollar for $0.75 for so long until you run out of money. That’s going to happen at some point, and some investors believe a lot of these companies will vaporize.

O problema é quando chegar o dia que ninguém mais queira apostar nela. A única opção será ir ao mercado correndo sérios riscos do IPO ser um fracasso ou ser adquirida por outra empresa maior, o que será complicado se for um unicórnio. O dinheiro não voltará no mesmo nível esperado.

Tomas Tunguz, um VC da Redpoint tem alguns artigos interessantes sobre esse assunto. Dois em questão são bem interessantes para esse post.

O primeiro How Much Cash Does Your Startup Need To Go Public?, trata das burn rates das startups antes do IPO. Ele é interessante porque mostra quanto dinheiro as startups “queimam” em busca do crescimento.

Dos exemplos citados o Twitter era uma das que mais gastavam e hoje, após seu IPO, ainda vive incertezas.

É verdade também que essas startups geram muito dinheiro em receitas, mas a lucratividade não é algo importante nesse contexto das startups, uma vez que para levantar dinheiro em rounds de financeamento e lançar um IPO, o que é valorizado o crescimento.

É por isso que muitas startups preferem investir no crescimento em detrimento do seu lucro líquido.

Isso pode ser uma prática segura para poucas empresas que vão aumentando suas receitas ano após ano por terem encontrado um modelo de negócios bem estruturado e que encontra respaldo no mercado, ou seja, quem paga pelo serviço o faz porque acredita valer a pena.

Não é pra todo mundo isso.

Por que é bom estar ciente que o mercado é irracional?

Acho que a primeira coisa boa é que assim não ficamos atrás da famosa silver bullet, aquela tática infalível para levar as startups que trabalhamos ao sucesso.

Outra questão é que assim paramos de querer ser o novo Uber, o novo Airbnb e o novo Slack. Isso porque essas histórias são embelezadas e dificilmente levam em conta os resultados financeiros reais.

E também existem muitos fatores que não temos como controlar (contatos dos founders, momento que foram lançados os serviços, contexto onde cada startup começou, efeito FOMO que se cria a medida que os primeiros investidores entram no jogo e os sites de tecnologia começam a falar todo dia da mais nova empresa que irá mudar o mundo) que leva uma startup a explodir.

Uma coisa é achar essas empresas legais, outra é falar delas como um modelo consolidado a ser seguido. Nem todo mundo tem acesso fácil a mais investimentos quando precisa de dinheiro em caixa.

Também é bom porque assim sabemos que nem todas as startups são criadas igualmente e nem todas podem se dar ao luxo de ir ao mundo sem um modelo claro de como ganhar dinheiro.

Talvez se você está no meio da loucura do Vale do Silíco isso pode te dar alguns anos, no resto do mundo creio ser muito mais arriscado.

Ajuda também a desmistificar as startups.

Chega em um ponto que elas tem que funcionar como as empresas “tradicionais”, for profit.

Saber que o mercado hoje não se importa muito com a lucratividade mas sim com o crescimento, e que isso pode ser um problema que está surgindo, nos leva a tentar um outro caminho.

Por último, mas não menos importante, nos fazer pensar em todas aquelas que fracassam.

Naquelas que são menos midiáticas mas dão grandes resultados financeiros.

Naqueles empreendimentos que também podem nos ensinar algo mas não estão na onda dos unicórnios.