Esse texto eu escrevi em 2015, logo que o Uber estava chegando no Brasil e, principalmente, começando a operar em Porto Alegre. Era algo novo e estava naquele momento de briga entre profissionais do táxi e as pessoas que dirigiam pra Uber. Uma briga também de opinião pública sobre como a empresa operava nas cidades que entrava. O artigo foi construído a partir de uma apresentação que fiz quando estava na RedeHost para falar sobre Posicionamento.


O Uber é um serviço que está agitando o cenário do transporte nas cidades. Os taxistas querem que eles sigam as mesmas regras dos táxis. O Uber diz que não é um serviço de táxi.

Costumam dizer que eles oferecem um “serviço de transporte privado urbano” ou até mesmo “táxi executivo”.

Hoje a Uber precisa contar essa história para dois grupos distintos:

  • Governantes e legisladores das cidades onde começam uma operação;
  • População da cidade onde começam uma operação.

Convencer o grupo de políticos e legisladores é mais complicado porque eles seguem (ou ao menos deveriam seguir) regras bem explícitas sobre o que caracteriza o serviço de táxi. É algo mais racional.

Já com a população em geral é uma tarefa mais fácil. As pessoas irão compará-los com os táxis que estão acostumadas a pegar.

No site oficial eles falam:

Conforme o mundo gira, a Uber evolui. Ao conectar passageiros e motoristas diretamente através de nossos aplicativos, aumentamos a acessibilidade dentro das cidades, gerando novas possibilidades para os passageiros e novos negócios para os motoristas. Desde a nossa fundação em 2009 até nossos lançamentos atuais em centenas de cidades, a rápida expansão da presença global da Uber continua a aproximar as pessoas de suas cidades.

Mas será que ficar no discurso seria o suficiente para diferenciá-los na cabeça das pessoas?

O discurso é legal, mas acho que ainda falta algo pra dizer qual é a real diferença entre o Uber e o (serviço de) táxi.

Mas o que os diferencia? É a tecnologia? Não. É o tipo de carro usado? Não. É o serviço? Não. É a forma de pagamento? Não.

É tudo isso unido em um contexto maior? Sim.

E esse contexto acredito que possa ser explicado pelos conceitos de marketing Miopia e Posicionamento.

Mas antes de falarmos desses conceitos, toda história tem um começo.

Uma breve história dos táxis

Segundo a Wikipedia

  • 1604: surge o conceito do táxi. Carruagens pesadas, com cavalos para fazer o transporte;
  • 1834: primeira grande inovação. Carruagens mais leves, com apenas um cavalo, deixavam o transporte mais ágil, rápido e barato;
  • 1897: surgem em Londres os primeiros táxis motorizados;
  • 1900+: a partir da década de 40 começa a se estruturar o serviço como conhecemos hoje. Os taxímetros são implementados, a comunicação por rádio é implementada trazendo mais agilidade e um serviço melhor para a população. Nos anos 80 a era da informática chega ao serviço e o despacho dos carros passa a ser computadorizado.
  • 2000+: carros a gás economizam combustível e poluem menos. O GPS rastreia os carros. Carros elétricos começam a ser usados. Aplicativos de smartphones servem como meio de conseguir um táxi.

Temos uma história bem longa do serviço. Ele já é habital. Não é nada novo. Estamos acostumados com um serviço que, apesar de mudanças tecnológicas, parece não evoluir.

É um serviço que em cada cidade tem sua própria característica, mas que no fim são percebidos pelas pessoas da mesma maneira (e essa percepção geralmente é bem ruim).

Quando pedimos pra alguém pensar no serviço de táxi, é assim que muitos irão imaginar:

Taxi Driver

Vamos ver agora o Uber.

Uma breve história do Uber

Segundo a wikipedia:

  • 2009: a ideia é criada. Nesse ano começa o Beta do serviço;
  • 2010: é oficialmente lançado em São Francisco;
  • 2011: o nome deixa de ser UberCab e fica apenas Uber. Começam a expansão para outras cidades dos EUA (e Paris)
  • 2013+: fica cada vez mais agressiva a expansão, a empresa consegue aporte e mais aporte para crescer. É avaliada em muitos bilhões. Começamos a acompanhar no Brasil a entrada do serviço.

A história do Uber é bem recente. Aparece como uma alternativa a um serviço que tem muita bagagem negativa. As coisas ruins que acontecem no serviço do Uber são rapidamente respondidas e ficam insignificantes.

Por mais que no fim das contas o Uber e o Táxi resolvam o mesmo problema, as pessoas não os percebe da mesma maneira.

Quando pedimos pra alguém pensar no serviço do Uber, é assim que muitos irão imaginar:

Motorista Uber

Bom, mas afinal, o que causa essa diferença?

Pra explicar essa diferença entre os dois serviços e o que acredito ser a força de um e a fraqueza de outro, vou falar hoje sobre dois conceitos de marketing:** miopia e posicionamento**.

Miopia em Marketing

O conceito de Miopia foi proposto por um cara chamado Theodore Levitt em 1960 em um artigo da Harvard Business Review.

A ideia é: empresas começam a crescer, se tornam fortes, mas não percebem o movimento do mercado. Se preocupam muito em vender um produto que é sucesso hoje, mas não percebem o que estão vendendo.

O exemplo no artigo é das ferrovias nos EUA. Eram grandes, lucrativas e achavam que vendiam transporte de trem. Não viram as rodovias, os carros e depois a aviação comercial chegar e tomar o lugar dela.

Essa é a miopia, achar que vendia viagens de trem apenas, e não que estavam vendendo na verdade era o transporte, conectar lugares.

Miopia é não enxergar bem o que a empresa está vendendo pras pessoas.

Posicionamento

O conceito de Posicionamento foi proposto por Jack Trout e depois junto com Al Ries o livro Posicionamento — A batalha por sua mente foi lançado e se tornou um clássico.

A ideia central é que a batalha das empresas não acontece na rua e sim na cabeça das pessoas. Pra ter sucesso é preciso ocupar uma posição de destaque na mente do consumidor.

Então uma empresa vai ser considerada não pelo o que ela diz que faz, não o que ela diz o que é, mas como as pessoas percebem tudo o que ela diz e tudo que ela faz.

É uma guerra de percepções.

Uber x Táxis: miopia e posicionamento

Como podemos analisar os dois serviços dentro desses conceitos?

Miopia

Hoje eu diria que uma empresa de táxi se vê como uma empresa de táxi. Eles vendem o serviço de táxi.

Por causa dessa miopia não perceberam que o serviço deles não agrada.

Não perceberam o espaço que estavam ocupando no mercado — o de transporte de pessoas — e na cabeça das pessoas — o de transporte de péssima qualidade.

Já o Uber ao longo do tempo foi focando no negócio de transporte e logística. Eles vendem levar as pessoas de um ponto ao outro da melhor maneira possível. Tudo que eles fazem é para fazer isso acontecer.

Eles não enxergam apenas o serviço de táxi, ou “transporte executivo privado” (para vender o peixe aos legisladores), mas sim o fato de que as pessoas estão comprando o deslocamento, o transporte eficiente.

Posicionamento

O serviço de táxi não tem um posicionamento claro.

Uma razão é por que em cada cidade o serviço é feito por empresas diferentes. Não existe um esforço da categoria em contar uma mesma história, por em prática as mesmas ações e assim criar o posicionamento.

Outra é que, por não saber o que realmente estão vendendo e as pessoas estão comprando, não tem como eles fixarem uma posição desejada na cabeça das pessoas. São as pessoas que olham os serviços e o percebem da maneira que querem.

Já o Uber, ao saber o que vende (transporte, logística) e se ancorar aos táxis pra mostrar que é diferente (explora a posição negativa) teve muita facilidade em se posicionar como algo bom.

Pessoas que nunca usaram o Uber defendem o Uber com unhas e dentes.

Então, por que existe essa diferença?

  • O serviço de táxi se tornou tão comum e é tão disperso (não existe uma única empresa) que as pessoas já passaram a percebê-los como um serviço ruim (talvez seja a única coisa que conseguem ver em comum no serviço);
  • O Uber só precisou explorar isso e oferecer mudança para dar o primeiro passo pra ser visto como algo diferente;
  • O serviço de táxi não era desafiado. Não surgia nenhuma alternativa. Eles já não viam mais que vendiam o transporte, conectar pessoas. Vendiam corridas de táxi.
  • O Uber entrou no mercado vendendo conectar pessoas, vendendo transporte, vendendo tecnologia, vendendo logística. Se ele vendesse só corrida de táxi iria trazer pra si a imagem que as pessoas tem sobre táxis e esqueceria os atributos necessários para vender o transporte agradável e ágil.

O importante é saber que essa diferença acontece na cabeça das pessoas. E o Uber faz de tudo para que essa percepção seja verdadeira.

O Uber não é um táxi pra escapar de legislações. Não é um táxi porque permite pagamento via app. Não é um táxi porque é mais ágil e as pessoas utilizam seu smartphone para conseguir um carro.

Isso tudo é facilmente copiado pelas empresas de táxi. EasyTaxi e 99 Taxis estão aí pra provar isso.

Ele é diferente porque na nossa cabeça ele é diferente. Sabem o que vendem e comunicam e fazem de tudo para que todos incorporem isso.

O que podemos aprender com isso?

Na literatura exemplos clássicos como Apple X Microsoft e Coca X Pepsi mostram que as que estão ganhando a briga tem um grande posicionamento e entendem o que vendem.

Pensando em nossas empresas, em nossa estratégia, em nossos funcionários e em nosso trabalho, será que nossa visão é clara — não somos míopes — e toda empresa trabalha junta para por em prática o seu discurso?

Que história estamos contando e como estamos sendo os protagonistas dessas história?

O que faz o Uber não ser um táxi deve nos tirar da zona de conforto e pensar o que realmente nossos clientes compram (o que realmente vendemos) e o que fazer para que nossa empresa seja diferente do nosso concorrente em coisas que não são facilmente copiadas.

No fim das contas é uma guerra de percepções.

Porque o uber não é um (serviço de) táxi ? from Felipe Cardoso Barbosa

Esse artigo eu publiquei pela primeira vez no dia 9 de outubro de 2015 em uma versão antiga do meu blog. Depois ele foi para minha conta pessoal no Medium e agora volta pra dentro do meu próprio domínio.