Quando falamos sobre Jobs To Be Done é comum estarmos nos referindo ao seu uso para inovação e desenvolvimento de novos produtos. Mas será que a teoria só pode ser aplicada nesse contexto?

Recentemente recebi o seguinte questionamento de uma pessoa que leu meu artigo Jobs To Be Done, uma definição:

“Fiquei em dúvida sobre: se a metodologia serve para produtos já criados e rodando no mercado há algum tempo, no sentido de ajudar o time de vendas a compreender melhor as vantagens/benefícios de um produto e melhorar a abordagem de vendas com os leads; ou se apenas para produtos em processo de criação, a fim de orientar a equipe de design de produto ou marketing no desenvolvimento de recursos do produto?”

Isso me fez pensar sobre o assunto e cheguei a conclusão que a teoria e as ferramentas de entrevistas e das forças do progresso ajudam também quando os produtos já foram desenvolvidos e estão no mercado.

Para ilustrar isso vou pegar a minha área de atuação em Marketing de Produto.

Um profissional de Marketing de Produto costuma ser responsável pelas seguintes atividades: Análise de Clientes, Análise de Mercado e Concorrentes, Posicionamento de Produto e Messaging.

É uma atividade que exige bastante pesquisa e entendimento profundo sobre o que é o produto e sobre quem são as pessoas que estão comprando esse produto.

Isso me parece um ótimo contexto para o uso de Jobs To Be Done em empresas que já tem algum produto no mercado.

Vamos ver como JTBD ajuda em cada uma dessas atividades.

Análise de Clientes

Quem trabalha com Marketing de Produto precisa conhecer quem são os clientes e os potenciais clientes de sua oferta.

Através desse entendimento ele ajudará a criar um retrato de quem são essas pessoas através da construção de personas.

Esse conhecimento deve ir além de informações demográficas e incluir informações comportamentais que possam indicar realmente os motivos pelos quais determinados grupos de pessoas decidem escolher por um produto ou outro.

Como conseguir isso? Usando entrevistas que explorem o que estava acontecendo quando seus clientes resolveram escolher a sua solução e não outra.

Uma maneira para fazer isso é usando a ideia da linha do tempo em Jobs To Be Done:

Linha do tempo em Jobs To Be Done

É uma boa ideia seguir essa linha porque dá um caminho sobre o que você precisa saber dos seus clientes atuais para entender quem são eles e, principalmente, porque eles escolheram você.

Entendendo bem quem são essas pessoas, o que elas querem resolver com seu produto e quais fatores foram determinantes para você ganhar mais um cliente vai ajudar você e sua empresa frente ao mercado.

Vem aí o segundo ponto onde a teoria de Jobs To Be Done irá ajudar.

Análise de Mercado e Concorrentes

Existe um conceito bem clássico do Marketing que é o de Miopia em Marketing que basicamente diz:

Empresas podem se tornar míopes a não entenderem em qual mercado estão atuando e isso faz com que ela não enxergue o que seus clientes compram e quem são seus concorrentes.

Um dos exemplos do artigo sobre Miopia em Marketing é o das ferrovias nos Estados Unidos que achavam que estavam no mercado de Ferrovias e não no de Transporte as tornando míope ao desenvolvimento das estradas e do transporte aéreo que ofereceram soluções melhores de transporte.

Vejo que a teoria do Jobs To Be Done ajuda as empresas a não serem míopes.

Ter usado as entrevistas e a linha do tempo para descobrir o que estava acontecendo com seu cliente quando ele escolheu seu produto e quais opções ele havia cogitado e até mesmo usado dá uma visão bem clara de como ele vê seu produto.

Essa visão ao ser analisada frente a todas as descobertas feitas em suas pesquisas pinta um quadro do que você significa para as pessoas e que job você está resolvendo para elas.

Vou exemplificar como poderia ser essa situação com a frase mais clássica dos artigos de Produto e Jobs To Be Done: as pessoas não compram brocas de 4 polegadas, mas furos de 4 polegadas.

Imagina que você trabalha com o Marketing de Produto de uma empresa que vende brocas de 4 polegadas e confirma que as pessoas não estavam atrás das brocas em si mas da melhor maneira de fazer furos para prender coisas na parede.

A maior parte dos seus clientes responderam isso. Qual mercado você está? No de brocas ou no de “ferramentas para fazer furos”?

Se você considerar que está no de brocas não vai perceber quando uma fabricante de pregos diz que tem um novo modelo que é tão resistente que pode ser usado para pendurar coisas na parede com facilidade e sem a sujeira toda que a Furadeira faz.

Mas se considerar que está no de fazer furos, tem a chance de se diferenciar de todas as outras maneiras de fazer um furo com maior propriedade.

Se você é escolhido pelo furo, irá competir com outras soluções que podem fazer furos. E se você for escolhido porque é a maneira que as pessoas acham melhor de pendurar quadros?

Você irá competir com outras maneiras de organizar os quadros em sua casa (ex.: colando com fitas, colocando-os no chão apoiados na parede, em um cavalete).

Esse é só um exercício mental para contextualizar como entender o job ajuda a por em referência o mercado e quem são os concorrentes nesse mercado.

Entendendo quem são os clientes e os motivos por fazer a escolha pela seu produto e, a partir disso, qual mercado que você realmente está e quem são os concorrentes seu trabalho como um Product Marketer já está bem encaminhado.

Agora fica mais fácil de você se diferenciar dos outros através do seu Posicionamento.

Posicionamento de Produto

Posicionamento é um dos conceitos mais poderosos e menos compreendidos do Marketing Estratégico.

Simplificando: Posicionamento é como as pessoas entendem quem é a sua empresa e o que é o seu produto e guardam essa percepção na mente delas.

Tudo que a empresa faz vai criando essa percepção mas ela só acontece na cabeça das pessoas. Não é o que sua empresa diz que é e sim o que a empresa diz e como as pessoas vão entender, ou não, isso.

Para o profissional de Marketing de Produto criar o Posicionamento do Produto ele vai precisar entender o que a empresa quer ser, quem são seus clientes e o que eles esperam e como enxergam seu produto e como o mercado é e como seu produto se diferencia da concorrência.

É um caldo de informações e aspirações que forma o Posicionamento e a teoria de Jobs To Be Done pode ajudar nisso.

Ao analisar os clientes e a concorrência sob a ótica da teoria, você já vai ter aprofundado no entendimento das causas que levam seus clientes a escolher você.

Você vai conseguir responder:

  • O que eles estavam buscando?
  • Quais eram as dores que enfrentavam no momento que decidiram que precisavam de alguma mudança?
  • O que estavam usando, ou não, para realizar esse job específico?
  • Quem são os concorrentes?
  • Qual é o mercado que você atua?

Com essas resposta vai ficar mais claro como você deve se posicionar para reforçar as características positivas que seus clientes enxergam, se proteger da concorrência e guiar o caminho para como você enxerga sua empresa no futuro.

Seguindo no exercício mental da empresa de brocas.

Imagina que você construiu seu Posicionamento em cima da mensagem que você tem as melhores brocas mas descobre que as pessoas escolhem você porque, dentre as alternativas, acreditam que você faz os melhores furos.

No seus materiais você dizia algo como: “As nossas brocas são as melhores”. “A composição das nossas brocas são 75% alumínio e 15% ferro”. “Funcionamos em qualquer Furadeira”.

Agora você poderia dizer coisas como: “Tenha certeza que você não irá errar o furo”. “Evite danos na sua parede pois nosso furo é o mais preciso”.

Além disso, você descobriu que naquelas entrevistas que a maioria das pessoas fazia furos para pendurar prateleiras na parede para organizar melhor a casa.

Você pensa que no futuro pode ter outras maneiras de ajudar essas pessoas e resolve se posicionar: “Ajudamos você a organizar sua casa, um furo após o outro”.

Com o tempo você desenvolve um outro produto para ajudar a pendurar prateleiras e outras formas de organização.

Seu Posicionamento já deu abertura para ser relevante nesse novo contexto pois já estava falando em organização da casa.

Claro que é um exemplo bem simples, um exercício, e na prática é mais complicado do que isso.

Só que aplicar a teoria de Jobs To Be Done para entender como é a dinâmica das pessoas com seu produto atual vai ajudar a desvendar coisas importantes que podem impactar a forma que você decide Posicionar o seu produto.

Por fim, o profissional de Marketing de Produto precisa pegar tudo isso que aprendeu sobre os clientes, o mercado, a concorrência e criar a melhor mensagem para fazer o Posicionamento ser relevante.

Messaging

Diria que muito do trabalho do profissional de Marketing de Produto se concretiza quando é criada a mensagem que vai ser utilizada nos diferentes pontos de contato da empresa com seu público.

E a teoria de Jobs To Be Done vai ajudar na criação da mensagem assim como ajudou na parte de descobrimento que envolviam clientes, mercado e concorrentes.

Com todas essas informações e com o Posicionamento definido como JTBD vai ajudar agora?

Diria que o conceito das 4 Forças do Progresso dentro da teoria ajudam a criar as mensagens mais relevantes para as pessoas que você quer atingir.

Existem 2 forças que geram a demanda, ou seja, atraem as pessoas para uma solução e 2 forças que bloqueiam essa demanda, significando que são obstáculos para a mudança.

As forças que atraem são chamadas de push (empurra o indivíduo para uma nova solução) e pull (atrai o indivíduo para uma nova solução).

As que bloqueiam são chamadas de anxiety (as ansiedades da mudança e de fazer uma escolha nova) e habits (hábitos que as pessoas tem que dificulta a mudança).

Com a mensagem que o profissional de Marketing de Produto irá criar ele pode pensar em explorar essas 4 forças. Voltando ao nosso exercício mental da empresa de brocas.

Nas suas conversas você descobre que antes de escolher as brocas as pessoas estavam insatisfeitas em como a casa delas estava organizada.

Queriam resolver essa situação mas tentavam colocar algo na parede com pregos mas viram que não sustentava tão bem. Só então decidiram que o melhor a fazer seria utilizar parafusos e fazer os furos na parede.

Tendo isso em mente você pode pensar em mensagens que já deixem claro que você ajuda pessoas nessa situação. Algo como “da maneira antiga você usaria pregos, mas a melhor maneira é prender mais firmemente fazendo furos”.

Com essa frase, mostrando uma nova vida feliz para facilitar o trabalho, você também atua sob a outra força que gera demanda, a de pull.

Entendendo a dinâmica do que faz a pessoa considerar mudar e o que a atrai para a mudança, você cria mensagens mais assertivas.

Mas toda mudança exige algum comprometimento por parte de quem faz a escolha. É nesse momento que as forças de bloqueio, anxiety e habits atuam.

Seu papel como Product Marketer também é tranquilizar passando da melhor maneira possível que escolher o seu produto só vai trazer benefícios.

A pessoa pode pensar que escolher furar a parede pode ocasionar danos na estrutura, furar um cano, cair um pedaço de tijolo que a fará investir na pintura e a parede não vai ser mais a mesma.

Nesse caso você precisaria tranquilizar quem está prestes a escolher de que suas brocas são tão bem desenvolvidas que elas vão fazer um furo perfeito, não vai fazer sua Furadeira escapar e danificar a parede.

Vai perfurar qualquer material com facilidade e não causará danificações na sua parede.

Por outro lado, a pessoa pode estar acostumada a pendurar tudo usando pregos ou adesivos específicos para esse tipo de serviço.

Caso isso seja um hábito que você percebeu ser recorrente nas suas conversas com clientes e potenciais clientes, tem em mãos uma informação preciosa para saber como responder e influenciar que essas pessoas tomem uma atitude de mudança de hábito para experimentar um novo caminho.

Jobs To Be Done e Marketing de Produto

Apesar da teoria ser usada para desenvolvermos e inovarmos com produtos melhores vejo que ela ajuda também times de Marketing de Produto trabalhando em produtos que já estão no mercado.

Muitas vezes a inovação pode vir em como apresentamos determinado produto, mudando a maneira de posicionar, o mercado em que atuamos e como mostramos para as pessoas o que estamos resolvendo:

Qual job nosso produto realmente resolve.

Pode ser que desse trabalho todo o time de Marketing de Produto mostre para as outras pessoas da empresa que existem oportunidades de novos produtos serem lançados, mas mesmo se isso não ocorrer é um caminho que esses profissionais tem de entender melhor quem são as pessoas que escolhem a sua solução, qual mercado estão, quem são os concorrentes e como se Posicionar e comunicar melhor o seu valor.

Esse artigo foi originalmente publicado no Medium da JTBD+ com o título Usando Jobs To Be Done em Product Marketing